Convivendo com a dor crônica
Multifacetada e muitas vezes de difícil diagnóstico e tratamento, a dor crônica é extremamente desafiadora para as pessoas que sofrem com essa condição. O desafio é também compartilhado com os profissionais da saúde, que além de tratar a dor física, devem estar muito atentos aos aspectos psicológicos associados a meses, anos e até mesmo de uma vida de convívio com a dor.O que é a dor crônica? Diferente da dor aguda, que tem causas bem definidas para ocorrer, como um osso quebrado, um órgão inflamado ou um dente com cárie, a dor crônica apresenta-se muito mais complexa. É estimado que cerca de 30% da população mundial é afetada pela condição.
Em uma explicação direta e simples, a dor crônica é uma dor persistente ou recorrente com duração superior a 3 meses.
Foco de intenso estudo, a dor crônica passou por uma vasta revisão por parte da Organização Mundial de Saúde em 2022. A revisão aconteceu para melhor refletir a realidade dos pacientes e mesmo assim, algumas condições como a fibromialgia, desafiam a classificação atual.
Abaixo a classificação da dor crônica de acordo com a revisão de 2022 da Classificação Institucional de Doenças (CID-11). A grande inovação é a possibilidade da dor ter múltiplos parentescos, sendo classificada em mais de um tipo ao mesmo tempo.
Dor primária crônica
Dor em 1 ou mais regiões do corpo que é recorrente ou persistente por mais de 3 meses. A dor causa sofrimento emocional significativo e interfere nas atividades cotidianas e na vida social. É uma classificação nova que abrange condições onde não pode ser definido um motivo causal como justificativa.
Nesta classificação estão a fibromialgia, dor nas costas não identificadas como musculoesqueléticas ou neuropáticas, síndrome do intestino irritável e dor generalizada crônica.
Dor crônica do câncer
Outra nova classificação na CID-11 é a dor oncológica, que inclui a dor causada pelo tumor e metástases e, também, a dor proveniente do tratamento, como quimioterapia e radioterapia.
Dor neuropática crônica
É a dor proveniente de uma lesão ou doença do sistema nervoso causadas, como por exemplo um AVC, um traumatismo nervoso ou neuropatia diabética. Compressões da medula espinhal estão nesta categoria.
Dor pós-cirúrgica e pós-traumática crônica
É a dor que persiste mesmo após o tempo de cicatrização normal após uma cirurgia. É uma definição que ocorre por exclusão, tendo-se em mente que outras fontes de dor foram excluídas. É uma dor crônica causada pelo processo cirúrgico.
Dor de cabeça crônica e dor orofacial
São as terríveis dores de cabeça, face, pescoço, boca ou mandíbula. São divididas em 2 grupos. Idiopáticas, quando são a doença em si e sintomáticas, quando são reflexo de outra condição.
Dor visceral crônica
Dor originada nos órgãos internos da cabeça, cavidade torácica, abdominal ou pélvica.
Dor musculoesquelética crônica
Aqui ficam as dores causadas por doenças nos ossos, articulações, músculos, tendões, ligamentos, bursas ou uma combinação destes.
Não é o nosso intuito entrar em detalhes sobre os diversos tipos de dores crônicas. A ideia até aqui é mostrar que a dor é algo que está em estudo pela comunidade científica, que tenta desvendar seus mistérios.
Nosso intuito é mais humano e menos técnico.
Os desafios da Fibromialgia
De acordo com a Sociedade Brasileira de Estudos para a Dor (SBED), em estudo realizado em 2022, cerca de 3% da população brasileira sofre com a condição, muitas vezes incapacitante, que causa dor generalizada pelo corpo.
Considerada uma doença invisível, a Fibromialgia apresenta-se desafiadora e multifacetada. Começando pelo diagnóstico unicamente clínico, passando por estigmas sociais que rotulam a doença como meramente psicológica, a condição leva o conhecimento científico ao limite e suas causas ainda precisam ser elucidadas.
Além da dor musculoesquelética, a Fibromialgia geralmente é acompanhada de falta de sono, cansaço, distúrbios do humor, geralmente associada à ansiedade e a depressão.
Os aspectos da dor crônica
Só entende quem convive. Isso é uma máxima sobre a dor crônica. Apesar de pessoas de todas as idades estarem suscetíveis, as mulheres com mais de 65 estão mais propensas.
Antes de tudo é importante ressaltar que cada pessoa interpreta e experimenta a dor de maneira individual. Mesmo entre pessoas diagnosticadas com a mesma condição, a descrição de como é a dor varia bastante.
Apesar das incertezas sobre a dor crônica, os estudos mais recentes apontam para uma condição biopsicossocial. Isto é, tem suas causas e evolução em aspectos biológicos, psicológicos e sociais e assim sendo, devem ser abordadas de uma maneira integral e não unicamente especializada.
Mente sã, corpo são?
É importante salientar que dizer que a dor crônica tem aspectos emocionais e sociais não invalida os aspectos biológicos. Muito pelo contrário, toda dor é real e a abordagem integral é o atestado de que a ciência vê a dor crônica como algo que vai além das evidências biológicas.
A saúde mental é uma construção que tem impactos reais sobre a nossa saúde física. Cada vez mais os estudos mostram que há uma forte ligação entre a saúde mental e a percepção da dor.
“Atacando” as fontes da dor ao mesmo tempo
Cerca de 85% das pessoas com dor crônica desenvolvem um quadro depressivo. Levando em consideração os longos períodos de sofrimento comuns da dor crônica, é como se a dor tivesse se tornado parte da pessoa, comprometendo fortemente a saúde mental.
O tratamento físico biológico é apenas parte da solução.
A boa notícia é que o mesmo processo responsável por amplificar a dor crônica pode, também, amenizá-la.
A capacidade do cérebro em se transformar
O processo que o cérebro humano possui de aprender algo novo e se reprogramar chama-se neuroplasticidade e é uma das maiores descobertas da neurociência.
Resumidamente, no caso da dor crônica, nosso cérebro tem o poder de alterar ou criar novas conexões neurais, substituindo as antigas, já condicionadas e hipersensibilizadas aos estímulos da dor.
É o mesmo processo que ocorre com uma pessoa que se recupera de um AVC e tem que reaprender a falar ou andar. Seu cérebro cria novos caminhos literalmente aprendendo novamente, mas agora a partir de outro “caminho”.
Mas como manter a mente sã com dores constantes? A resposta é o tratamento integral.
Como tratar a dor crônica?
Quando a causa da dor crônica não pode ser identificada, a comunidade médica não fala em cura, mas sim em tratamento e controle. Essa é a realidade de muitas pessoas.
Nesses casos, a maioria dos médicos têm uma aproximação multidisciplinar, misturando o uso de remédios, injeções e infiltrações, fisioterapia, terapias alternativas e, em último caso, cirurgias.
Não é o foco discutirmos as opções detalhadamente, mas sim tentarmos responder, o que nós podemos fazer individualmente?
Mudanças de estilo de vida
É sabido que mudanças no estilo de vida podem afetar positivamente os sintomas de quem vive com dor crônica, que podem ser divididos em 4 pilares:
- Redução do Stress
O stress tem um papel importante na dor crônica, então é importante tentar reduzi-lo o máximo que conseguir. Isso é muito pessoal, mas técnicas como meditação, mindfulness e respiração profunda podem ajudar bastante. - Exercícios físicos
A prática de exercícios físicos leves, é fundamental para manter a saúde física em dia. O controle de peso e a manutenção de tônus muscular adequado para a correta sustentação do corpo, em todas as idades, é necessária. - Dieta adequada.
Comer saudavelmente aumenta a sua saúde geral e pode diminuir a dor. Evite alimentos inflamatórios como carne vermelha e carboidratos refinados. Limite a ingestão de álcool. Acompanhamento com nutricionista é uma boa pedida. - Sono adequado.Tentar dormir com dor crônica pode ser um desafio. É muito comum quadros de insônia e foi comprovado que dormir mal intensifica a dor. Pessoas que dormem melhor e por mais tempo, experimentam sintomas mais brandos.
A terapia cognitiva comportamental e a dor crônica
A psicoterapia pode reduzir a dor crônica agindo na neuroplasticidade do cérebro.
Uma pesquisa publicada em 2021 por Yoni Ashar em parceria com Alan Gordon e Howard Schubiner, mostrou que 66% dos pacientes que receberam tratamento baseado em terapia, reeducação corporal, educação em dor e em exercícios específicos de reprogramação cerebral usando conceitos da neuroplasticidade relataram estarem livres de dor ou muito diminuída ao fim de um mês.
Entender os aspectos emocionais pode fazer toda a diferença no tratamento e no aprendizado de conviver com a dor crônica.
Outro consenso é nunca se entregar à dor, sempre desafiando, na medida do possível, a realidade negativa do convívio com a dor. Aprender sobre a dor e os mecanismos de como ela é ativada é um processo individual de busca e auto conhecimento, mas necessário no tratamento, e por que não, cura de uma condição que desafia o conhecimento científico.
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